segunda-feira, 9 de junho de 2014

A Resolução 4327 do Banco Central e a Evolução da Gestão de Riscos Socioambientais nas Instituições Financeiras Brasileiras

Artigo Publicado no JusBrasil em 09/06/2014
Há pouco tempo expliquei aqui o que era o Edital 41, elaborado pelo Banco Central. Pois bem, o Edital virou Resolução de nº 4327 publicada pelo Conselho Monetário Nacional em 25 de Abril passado.

O primeiro passo: Princípios do Equador

Para que entendamos melhor a grandiosidade das mudanças que essa Resolução vai trazer, devemos antes nos lembrar que já há algum tempo está existindo um movimento claro para incorporar às atividades das instituições financeiras, regras de responsabilidade socioambiental. E isso não ocorre só no Brasil. Começou com os Princípios do Equador em outubro de 2002, quando o International Finance Corporation (IFC), braço financeiro do Banco Mundial, e um banco holandês (ABN Amro) promoveram, em Londres, um encontro de executivos para discutir experiências com investimentos em projetos, envolvendo questões sociais e ambientais em mercados emergentes, nos quais nem sempre há legislação rígida de proteção do ambiente.
Os Princípios do Equador são critérios mínimos para a concessão de crédito, que asseguram que os projetos financiados sejam desenvolvidos de forma socialmente e ambientalmente responsável. Eles têm por objetivo garantir a sustentabilidade, o equilíbrio ambiental, o impacto social e a prevenção de acidentes de percurso que possam causar embaraços no transcorrer dos empreendimentos, reduzindo também o risco de inadimplência.
Sua repercussão foi tão positiva que em 2003, dez dos maiores bancos no financiamento internacional de projetos (ABN Amro, Barclays, Citigroup, Crédit Lyonnais, Crédit Suisse, HypoVereinsbank (HVB), Rabobank, Royal Bank of Scotland, WestLB e Westpac), responsáveis por mais de 30% do total de investimentos em todo o mundo, lançaram as regras dos Princípios do Equador na sua política de concessão de crédito.
Desde a incorporação dos Princípios do Equador nas concessões de crédito, todas empresas interessadas em obter recursos no mercado financeiro internacional devem incorporar em suas estruturas de avaliação de Project Finance, quesitos como:
  • Gestão de risco ambiental, proteção à biodiversidade e adoção de mecanismos de prevenção e controle de poluição;
  • Proteção à saúde, à diversidade cultural e étnica e adoção de Sistemas de Segurança e Saúde Ocupacional;
  • Avaliação de impactos socioeconômicos, incluindo as comunidades e povos indígenas, proteção a habitats naturais com exigência de alguma forma de compensação para populações afetadas por um projeto;
  • Eficiência na produção, distribuição e consumo de recursos hídricos e energia e uso de energias renováveis;
  • Respeito aos direitos humanos e combate à mão de obra infantil.
As instituições financeiras passaram então a se basear num rating socioambiental, elaborado por elas no qual os projetos enquadrados no nível A apresentam alto risco, B médio risco, e C baixo risco. Mais detalhadamente, essa classificação teve por base um conjunto de regras chamadas salvaguardas, criado pelo International Finance Corporation (IFC) entre 1990 e 1998, e sua aplicação é responsabilidade dos bancos que devem investir na qualificação dos analistas de crédito para atender a essas exigências. Assim, a definição do nível de perigo socioambiental ficou definida dentro dos seguintes parâmetros de risco:
Categoria A - com possibilidade de apresentar significativos impactos ambientais adversos que forem sensíveis, diferentes ou sem precedentes. Como sensível, entenda-se aquele que apresenta possibilidade de ser irreversível, como, por exemplo, levar à perda de um importante habitat natural ou afetar grupos ou minorias étnicas vulneráveis, envolver deslocamento ou recolonização involuntária, ou afetar locais de herança cultural significativa.
Categoria B - com potencial de causar impactos ambientais adversos em populações humanas ou áreas ambientalmente importantes, porém menos adversos que aqueles dos projetos classificados sob a Categoria A.
Categoria C - com possibilidade de apresentar mínimo ou nenhum impacto ambiental adverso.
Nos projetos classificados como A ou B, os bancos se comprometem a fazer um relatório socioambiental sugerindo mudanças que reduzam os riscos à comunidade onde será implantado, no qual pode estar incluída a alternativa de não concluir o projeto. Para todos os projetos de categoria A deverá ser elaborado um Plano de Gestão Ambiental e, caso o Banco considere aconselhável, para qualquer projeto de categoria B.
Caso o tomador deixe de cumprir uma das cláusulas sociais e ambientais, o financiador trabalhará junto a ele, na busca de soluções para que tal cláusula seja cumprida.
Os Princípios do Equador estão agora em processo de revisão das salvaguardas. Isso porque em um primeiro momento, o objetivo principal delas era fazer com que os projetos financiados não causassem prejuízos ao meio ambiente e fossem socialmente responsáveis.
Num segundo momento, o IFC procurou garantir que os projetos tivessem um impacto socioambiental positivo. A intenção é melhorar os mecanismos de proteção ao desenvolver regras mais claras e fáceis de serem seguidas, mas não necessariamente mais fáceis de serem cumpridas, pois serão mais restritivas. Nessa nova versão dos Princípios do Equador, são previstos critérios mais rigorosos, principalmente na análise da população atingida pelo projeto financiado, além da redução do valor de enquadramento do projeto, que passa de US$ 50 milhões para US$ 10 milhões.
A adesão aos Princípios do Equador é voluntária, sem qualquer dependência ou apoio do IFC ou Banco Mundial. Há 31 instituições participantes e de acordo com o 2º Relatório da Bank Track, uma rede internacional composta por 14 organizações da sociedade civil que monitora as operações das instituições financeiras privadas e seus impactos sobre as comunidades e o meio ambiente, o Brasil é o único país emergente que aderiu ao Acordo, através de quatro instituições financeiras: Itaú Unibanco, Itaú BBA, Banco do Brasil e Bradesco, o que nos torna um exemplo para o mundo.

O segundo passo: Protocolo Verde dos Bancos Públicos e da FEBRABAN – Federação Brasileira de Bancos

O Protocolo de Intenções pela Responsabilidade Socioambiental, conhecido informalmente como Protocolo Verde é uma carta de princípios para o desenvolvimento sustentável firmada por bancos oficiais em 1995 (Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco Central do Brasil) na qual se propõem a empreender políticas e práticas que estejam sempre e cada vez mais em harmonia com o objetivo de promover um desenvolvimento que não comprometa as necessidades das gerações futuras. Em maio de 2008, a partir de discussões sobre os impactos do desmatamento na Amazônia envolvendo órgãos governamentais e bancos públicos federais, foi constituído grupo de trabalho informal para avaliação e revisão do Protocolo Verde. O grupo foi constituído por representantes do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Fazenda, Banco do Nordeste do Brasil, Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, Banco da Amazônia, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. O resultado desse esforço foi a proposição de nova redação que defende que os bancos podem cumprir um papel indutor fundamental na busca de um desenvolvimento sustentável que pressuponha a responsabilidade com a preservação ambiental e uma contínua melhoria no bem estar social. Para tanto, são previstos princípios que envolvem o compromisso dos bancos com:
  • o fomento ao desenvolvimento sustentável;
  • a avaliação socioambiental dos empreendimentos a serem financiados;
  • a ecoeficiência das práticas administrativas;
  • a evolução das políticas e práticas voltadas à sustentabilidade;
  • a previsão de mecanismos de monitoramento e governança dos compromissos assumidos pelos signatários. Em agosto de 2008, durante solenidade conduzida na sede do BNDES, no Rio de Janeiro, os presidentes dos bancos oficiais aderiram ao novo Protocolo de Intenções pela Responsabilidade Socioambiental - Protocolo Verde. Em 6 de junho de 2010, o Banco do Brasil participou do Workshop FEBRABAN Protocolo Verde, visando elaborar indicadores de desempenho para a implementação do Protocolo Verde. A partir da realização do evento, a FEBRABAN, a Fundação Getúlio Vargas e os Bancos signatários deste protocolo, objetivam delinear um instrumento de avaliação das instituições financeiras, no tocante ao cumprimento dos princípios lá estabelecidos.

Da Política Nacional do Meio Ambiente até a Resolução 4327 do Banco Central

A Política Nacional do Meio Ambiente foi implantada no Brasil há 33 anos. Ela foi implementada através da Lei 6938/81, a qual determina que para a aprovação de projetos de financiamento, as instituições deveriam exigir o Licenciamento Ambiental e também o cumprimento de regras, critérios e padrões estabelecidos pelo CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente. No entanto, foi praticamente ignorada e continuou-se oferecendo crédito olhando apenas um lado da moeda. O outro, o socioambiental, era ignorado.
Em 30 de Junho de 2011, foi baixada pelo Banco Central do Brasil a Resolução 003988, que dispõe sobre a estrutura de gerenciamento de Capital, para instituições com ativo igual ou superior a 100 bilhões de reais. Essa resolução, em seu Art. 4º, inciso VI, prevê:
Art. 4ºA estrutura de gerenciamento de capital deve prever, no mínimo:
VI-Processo Interno de Avaliação da Adequação de Capital (ICAAP).
E em seu Art. 6º, reza que:
Art. 6ºO ICAAP, mencionado no inciso VI do art. 4º, deve ser implementado pelas instituições que:
I - possuam ativo total superior a R$100.000.000.000,00 (cem bilhões de reais);
II- tenham sido autorizadas a utilizar modelos internos de risco de mercado, de risco de crédito ou de risco operacional; ou
III-sejam integrantes de conglomerado financeiro, nos termos do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF), que possua ativo total superior a R$100.000.000.000,00 (cem bilhões de reais) e seja composto por pelo menos um banco múltiplo, comercial, de investimento, de desenvolvimento, de câmbio ou caixa econômica.
Agora, com a publicação da Resolução 4327, o Banco Central institui a Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) que deverá ser observada por todas as instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar por ele.
A regulamentação exige que cada instituição financeira autorizada a funcionar no Brasil elabore e implemente sua PRSA, previamente aprovada pela Diretoria da instituição e por seu Conselho de Administração (caso tenha). Essa PRSA deve passar a fazer parte da política estratégica da instituição, analisando o grau de exposição ao risco socioambiental das atividades financeiras que disponibiliza, bem como a natureza e a complexidade delas.
A PRSA, segundo a nova Resolução, deve conter princípios e diretrizes que norteiem as ações de natureza socioambiental dos bancos envolvendo tanto negócios quanto a relação destes com as partes interessadas, quais sejam os clientes e usuários dos produtos oferecidos.
A Resolução 4327 exige que instituições submetidas ao ICAAP elaborem e implementem sua PRSA até fevereiro de 2015. As instituições não sujeitas ao ICAAP deverão fazê-lo até julho de 2015. Também exige a Resolução, que a PRSA preveja práticas de governança corporativa adequadas, visando assegurar o cumprimento de seus objetivos, e também adotar procedimentos, rotinas, instrumentos e critérios que permitam a identificação, avaliação e gerenciamento dos riscos socioambientais por parte das instituições na concessão de serviços financeiros, tais como análise de documentos, qualidade das garantias oferecidas na operação e avaliação prévia dos impactos da atividade financiada.
Mas a Resolução 4327 vai mais além ainda. Ela prevê a necessidade das instituições financeiras designarem um diretor a ser responsável pela PRSA e também a obrigatoriedade de ampla divulgação da PRSA, bem como a manutenção de sua documentação relativa à disposição do Banco Central.
Por ela, os bancos e instituições financeiras, responderão solidariamente e judicialmente no caso de um incidente socioambiental nos projetos que financiarem. Isso vai exigir um novo posicionamento a respeito do risco socioambiental. Casos como a Bovespa dando Índice de Sustentabilidade Empresarial à Sabesp, da construção de Shopping Center sobre aterro sanitário ou mesmo da USP Leste em área contaminada, tendem a se tornar cada vez mais raros.

Guilherme Credidio
Engenheiro Ambiental (POLI-USP) e MBA Economia de Empresas (FEA-USP)

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